A LGPD vai pegar no Brasil?
Autor: Marcelo Augusto Fattori.
Advogado em Direito Digital e Proteção de Dados.
A pergunta acima é a mais corriqueira em todas as conversas que tenho feito com empresários.
O Brasil não é um país para amadores e gato escaldado de água quente tem medo de água fria.
Quem não comprou o famigerado kit de primeiros socorros?
No mundo corporativo, podemos citar o gastos e dificuldades para adaptação ao SPED contábil e fiscal no passado recente, cujo desatendimento era acompanhado de promessas de severas consequências que não se efetivaram.
Entretanto, a lei de proteção de dados tem alguns componentes diferentes dessas experiências anteriores.
Para compreender a dimensão desta lei, proponho a rápida leitura do trecho abaixo reproduzido do filósofo israelense Yuri Noah Harari (1), em sua obra 21 lições para o Século 21:
“Quando os algoritmos passarem a nos conhecer tão bem, governos autoritários poderiam obter o controle absoluto de seus cidadãos, ainda mais do que na Alemanha nazista, e a resistência a esses regimes poderá ser totalmente impossível. Não só o regime saberá o que você sente - ele poderia fazer você se sentir o que ele quiser… A democracia em seu formato atual não será capaz de sobreviver à fusão da biotecnologia com a tecnologia da informação. Ou a democracia se reinventa com sucesso numa forma radicalmente nova, ou os humanos acabarão vivendo em “ditaduras digitais”.
Harari, nesta obra fenomenal escrita em 2018, apenas atualizou e deu um tempero um pouco mais ácido decorrente das experiências que temos vividos nos últimos tempos, àquilo que a Europa, na última metade do século passado, já havia se dado conta: de que norte americanos e chineses detinham informações sobre tudo e sobre todos e que, especialmente, aquelas sobre pessoas, seus comportamentos, preferências, estilos de vida, localização, dentre outros, representavam grande risco para os seus cidadãos.
A partir dessas conclusões, e de uma série de leis esparsas e decisões tomadas por tribunais europeus, surgiu a Diretiva 46/95 da CE, que passou a disciplinar o tratamento de dados pessoais, visando proteger os indivíduos que estavam sob os domínios europeus, especialmente quanto ao intercâmbio internacional de dados com países de fora daquele bloco.
A Comunidade Européia passou a exigir dos países de fora do bloco um selo de adequação às normas vigentes de proteção de dados pessoais, para quem quisesse tratar/compartilhar dados de cidadãos europeus.
Foi uma grande sacada da UE que acabou por impor o modelo de proteção de dados que mais atendiam aos seus interesses, contra o domínio de norte americanos e chineses.
E nesse contexto, os países passaram a regulamentar leis internas de proteção de dados, visando estar adequados às normas européias, como forma, inclusive de garantir a competitividade de suas empresas.
Nossos vizinhos Argentina e Uruguai há muito já têm sua regulamentação e são reconhecimentos pela União Européia como países adequados e confiáveis no tratamento de dados pessoais.
Vale dizer que qualquer startup criada em um desses dois países hermanos terão maior competitividade que uma empresa idêntica que venha a ser criada qui no Brasil, haja vista que não somos países adequados aos termos da lei Européia.
Hacker Rangers - Gamificação para conscientização em segurança da informação
Com a atualização da lei de proteção de dados européia, o GDPR, que entrou em vigor em maio de 2018, esta exigência passou a constar do artigo 45, de onde se destaca:
“Pode ser realizada uma transferência de dados pessoais para um país terceiro ou uma organização internacional se a Comissão tiver decidido que o país terceiro, um território ou um ou mais setores específicos desse país terceiro, ou a organização internacional em causa, assegura um nível de proteção adequado”
O Brasil é apenas o 103º país do globo terrestre que regulamentou a proteção de dados pessoais. Não é necessário esforço para compreendermos que estamos atrasados, e com uma defasagem competitiva abissal com países de relevância econômica muito inferior à brasileira.
E neste ponto está o propulsor da LGPD.
Nossas empresas não terão competitividade internacional, especialmente nessa sociedade em rede retratada pelo espanhol Manuel Castells (2), onde “a informação representa o principal ingrediente de nossa organização social , e os fluxos de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social”, se o Brasil não regular e proteger os dados pessoais dos cidadãos brasileiros e não demonstrar para o mundo que como sociedade zelamos pelos direitos dos nossos e daqueles que por aqui aterrizem ou conosco firmem negócios e parcerias.
Sob essa ótica, a LGPD é uma realidade que não pode ser negada ou postergada e a adequação às suas normas, diante da complexidade das tarefas a serem desempenhadas não podem, ingênua e/ou negligentemente, aguardar por eventual uma eventual e ilusória prorrogação de prazo.
Outro fator que não pode ser ignorado está na criação pela LGPD de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) com poder regulador, fiscalizatório e de imposição de penalidades.
Por tudo isso, quem resolver assumir esse risco pode cair em uma armadilha, mesmo que tenha a sorte de aparentemente se beneficiar de uma improvável prorrogação, pois, fatalmente se prejudicará no campo da competitividade global e local, especialmente em sua reputação, haja vista a tomada de providências que vem sendo desenvolvida por concorrentes internacionais e nacionais mais diligentes.
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Autor: Marcelo Augusto Fattori.
Advogado em Direito Digital e Proteção de Dados.
Membro do grupo de pesquisa em Direito Digital e Proteção de Dados da USP, Faculdade de Direito de Ribeirão Preto "Tutela jurídica dos dados pessoais na Internet & Observatório do Marco Civil da Internet no Brasil";
Sócio da seusdados.com . Empresa de consultoria em Proteção de Dados Pessoais.
Sócio de Germano de Lemos Advogados Associados
Jundiaí-SP | Ribeirão Preto-SP
Endereço eletrônico: marcelo@germanodelemos.com.br
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Referências
(1) HARARI, Yuri Noah. 21 Lições para o Século 21. Companhia das Letras. São Paulo, 2018, p. 95.
(2) Castells Manuel. A Sociedade em Rede. Paz & Terra. 19ª Edição. São Paulo. p. 561.
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